5 perguntas importantes para precificar produtos inteligentes
Por Bruno Zago
27 agosto 2019 - 17:48 | Atualizado em 29 março 2023 - 17:29
Imagine-se como CEO de uma empresa de cuidados bucais que tem vendido um produto chamado Power Brush 2000, uma boa escova dental elétrica. O foco de seu modelo de receitas é lucrar com a venda dessa escova com precificação criativa para os cabeçotes (um modelo de negócio semelhante ao das lâminas Gilette, só que com um plano de assinatura). Agora, sua equipe de P&D criou um novo produto que está pronto para ser lançado, uma escova para o século 21. A escova é inteligente (possui censores internos e IA para detectar placas e cáries) e se conecta à internet por Bluetooth. Vamos chamá-la de Smart Connect XL3000. Sua missão é precificá-la, ou, de forma mais ampla, desenvolver um modelo de receitas.
O modelo de receita é um dos elementos mais importantes da estratégia de uma firma, pois define como ela é compensada pelo valor gerado por seus produtos e serviços. Antigamente, o modelo de receita se resumir a escolher um preço “bom”. Dispositivos inteligentes e conectados estão mudando esse paradigma.
Firmas que perseguem o que chamamos de estratégia conectada (isto é, aquelas que transformam sua ligação com clientes de interações eventuais em relacionamentos mais frequentes via troca de dados) têm uma gama maior de modelos de receita para escolher. Em outras palavras, hoje o preço pode depender de fatores que anteriormente não podiam ser usados para influenciar a fixação de preços. Para pensar sistematicamente a respeito de modelos de receita e detectar oportunidades de melhoria, é útil fazer as seguintes perguntas:
- O que está sendo pago?
- Quando o pagamento é feito?
- Quem está pagando?
- Por que o cliente paga?
- Qual é a forma de pagamento?
Analisemos em detalhe cada uma dessas questões.
Mude o que está sendo pago: pagamento por desempenho
Clientes encaram incerteza quanto à qualidade de um produto ou serviço. Um cliente pode estar disposto a pagar US$ 500 por uma escova que previne cáries, mas como pode ter certeza de que ela realmente funcionará? O pagamento por desempenho resolve esse problema. Clientes não compram o produto ou serviço, mas pagam pelo valor criado. No caso da Smart Connect XL 3000, poderíamos cobrar US$ 10/mês desde que seus dentes estejam saudáveis. Esse modelo de receita se tornou viável porque, com um dispositivo conectado, é possível monitorar se um produto é usado corretamente.
Mude quando o pagamento é feito: pagamento por uso
Clientes normalmente obtêm valor ao longo do tempo. Você compra um tênis e corre 500km com ele. Você usa sua escova dental diariamente. Em relacionamentos episódios, é comum que o pagamento seja antecipado. É claro, seu cliente poderia pagar US$ 0,50 cada vez que usa a escova dental, porém isso não é viável e ele não o faria de forma consistente.
Em um relacionamento conectado, esses problemas desaparecem. Sua escova dental, conectada ao celular do cliente, poderia cobrar US$ 0,10 por minuto de uso. Esse é o modelo de pagamento por uso. Esse modelo de receita é comum nos em relacionamentos B2B. Por exemplo, a Rolls-Royce não vende mais motores de aviões para companhias áreas, mas sim “potência por hora”, cobrando por hora de uso dos motores.
Um modelo semelhante é o freemium, onde firmas como DropBox, LinkedIn e muitos desenvolvedores de jogos oferecem uma versão gratuita e cobram por acesso a recursos, funcionalidades ou itens adicionais. O que torna viabiliza muitos desses modelos freemium é a habilidade de gestão de micropagamentos. Poucos consumidores estariam dispostos a pagar US$ 300 à vista por um jogo que jogam em seu celular. No entanto, muitos estão dispostos a gastar US$ 0,99 diariamente para atualizar seus personagens, comprar armas especiais, acessar novas fases ou agilizar seu progresso no jogo. Após um ano, já terão gasto facilmente mais de US$ 300. Mas como os pagamentos são pequenos e exatamente no momento exato da geração de valor (“Nossa”, consegui vencer essa batalha e subi de nível!”), os clientes ficam felizes em pagar. Essas pequenas somas podem gerar um grande montante. Estima-se que o jogo mobile gratuito Clash of Clans já faturou mais de US$ 3,5 bilhões em vendas internas de produtos que praticamente não tem custo de produção.
Mude quem está pagando: pense em ecossistemas, não em cadeia de suprimentos
Pesquisas em gestão estratégica mudaram o foco de cadeia de suprimentos para ecossistemas. O conceito de ecossistema é muito mais amplo e inclui todas as firmas relacionadas ao seu produto. Para identificar os membros de seu ecossistema, pergunte-se: “quem mais poderia obter valor de nosso produto?” Se você está vendendo uma escova conectada que evita cáries – e que pode agendar visitas bianuais de revisão – seguradoras e dentistas podem querer financiar o projeto.
Mude por que seus clientes pagam: cuide de necessidades fundamentais
Quando mais entender as verdadeiras necessidades de seu cliente, maior será o conjunto de serviços pelos quais ele estará disposto a pagar. Por exemplo, um dos clientes da Nike pode não querer apenas correr, mas completar sua primeira maratona. Se a Nike puder ajudá-lo a alcançar tal objetivo ao lhe permitir verificar o seu desempenho além de conectá-la a um clube de corrida, sua disposição a pagar pode ir muito além de somente pagar por um tênis. Clientes não compram uma escova porque gostam do ato de escovar – o que querem são dentes saudáveis, ou um belo sorriso.
Mude o tipo de moeda que o cliente usa: pagamento por dados
Outro modelo de receita viável seria doar sua escova (ou vendê-la por um preço irrisório), faturando com base nos dados de saúde bucal coletados. Realmente, a maioria das empresas de sucesso que adotam a estratégia conectada disponibilizam gratuitamente os seus produtos. Google, Facebook e LinkedIn oferecem serviços de graça. Mas não existe almoço grátis. Usuários pagam com dados.
Serviços “gratuitos” criaram uma mina de ouro para empresas que se focam na coleta de dados. Cobramos responsabilidade daqueles que revendem dados. Um modelo de receita verdadeiramente sustentável requer que as firmas mostrem claramente como os dados coletados criam algum benefício para seus clientes. A menos que exista um quid pro quo, os clientes eventualmente abandonarão o serviço.
Para maximizar valor, um modelo de receita baseado em estratégia conectada identifica os players de um ecossistema, entende seus objetivos conflitantes e alavanca a tecnologia. Valor é maximizado quando as forças corrosivas de informação limitada, confiança limitada e fricção transacional são superadas, fomentando um relacionamento conectado. Nesse vasto universo de considerações, quem se foca primariamente no preço perde a vantagem competitiva proporcionada por um relacionamento contínuo com clientes.
Este artigo foi traduzido e adaptado do original “5 questions to consider when pricing smart products”, assinado por Nicolaj Siggelkow e Christian Terwiesch para o portal Harvard Business Review.
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