O que há de novo na Internet das Coisas?
Por Rogério Marques
26 maio 2017 - 16:47 | Atualizado em 29 março 2023 - 17:42
A adoção da Internet das Coisas (IoT) está ocorrendo de forma mais lenta que o esperado, mas as fabricantes de semicondutores podem ajudar a acelerar o seu crescimento por meio de novas tecnologias e modelos de negócios.
Nicolau Maquiavel, um dos grandes futuristas da história, poderia ter previsto a Internet das Coisas (IoT) quando escreveu, “não há nada mais difícil de manejar, mais perigoso para conduzir, ou mais incerto em seu sucesso que ser pioneiro na introdução de uma nova ordem das coisas.” Os pioneiros da IoT, que lidam com demanda instável, falta de padrões consistentes e outros desafios, concordariam que o seu caminho tem sido difícil. Mas, como outros visionários antes deles, persistem no estabelecimento de uma nova ordem porque veem nela o futuro.
Tanto os consumidores como a mídia estão fascinados pelas inovações da IoT que já chegaram ao mercado. Esses dispositivos “inteligentes” têm sensores que comunicam facilmente pela Internet com outros dispositivos ou com a nuvem, gerando dados que tornam o mundo mais seguro, mais produtivo, e mais saudável. Dentro de poucos anos, alguns dispositivos de IoT se tornaram padrão, incluindo termostatos que ajustam automaticamente a temperatura, e sensores de linha de produção que informam os supervisores da fábrica sobre a condição da máquina.
Agora, inovadores querem lançar tecnologias de IoT mais sofisticadas para veículos autônomos, serviços de entrega de drones e outras aplicações avançadas. Embora alguns analistas estejam empolgados pelo potencial da IoT, outros dizem que ele é exagerado. Nós adotamos uma visão mais equilibrada, baseada em nossa extensa pesquisa, assim como em nosso trabalho direto com desenvolvedores de aplicações de IoT e seus clientes. Como os otimistas, acreditamos que a IoT poderia ter um impacto significativo, possivelmente revolucionário, na sociedade.
Mas também pensamos que o prazo de realização de tais benefícios, assim como a adoção generalizada das aplicações de IoT pode levar mais tempo que o esperado. A adoção das aplicações de IoT pode ser particularmente lenta no setor industrial, dado que as empresas são frequentemente restringidas por longos ciclos de capital, inércia organizacional e escassez de equipes talentosas que possam desenvolver e implementar soluções de IoT.
Para as fabricantes de semicondutores, que estão buscando novas fontes de receitas, a taxa de adoção da IoT é uma preocupação importante. Nesse artigo, analisaremos o argumento em prol do otimismo, assim como as razões para expectativas modestas. Examinaremos, também, novas tecnologias que poderiam acelerar o crescimento da IoT, e as estratégias de desenvolvimento de produto que as empresas de semicondutores poderiam implementar para aumentar o apelo das ofertas em IoT.
Razões para otimismo: conectividade crescente ajuda a IoT
Se analisarmos o crescimento recente da IoT, os otimistas têm razão para estar encorajados. Os consumidores estão mais conectados que nunca, utilizando em uma média de quatro dispositivos de IoT que se comunicam na nuvem. Globalmente, estima-se que 127 novos dispositivos se comunicam com a internet todo segundo. Um relatório da McKinsey Global Institute estima que a IoT poderia ter uma impacto econômico anual de US$ 3,9 trilhões a US$ 11 trilhões em 2025 em diferentes setores, incluindo industrial, urbanista, varejista e medicinal.
O IoT também está se beneficiando de melhorias na infraestrutura que aumentaram a conectividade. Por exemplo, só 20% da população global é hoje coberta por redes LPWAN que permitem comunicação de longa distância entre dispositivos conectados enquanto otimiza tanto custos como demandas de consumo de energia. Até 2022, todavia, esperamos que 100% da população tenha cobertura LPWAN. Da mesma forma, os avanços tecnológicos estão reduzindo os requisitos energéticos, diminuindo custos, e promovendo o desenvolvimento de soluções de IoT mais integradas. Considere o sensor remoto LIDAR, baseado em laser que escaneia e verifica áreas específicas, tecnologia essencial para os carros autônomos.
O seu preço caiu mais de 10x nos últimos oito anos, e espera-se que caia 65x mais ao longo dos próximos dois. Essa queda, combinada com a sofisticação tecnológica superior do LIDAR, está contribuindo para o desenvolvimento de carros totalmente autônomos, que poderiam constituir 25% de todas as compras de automóveis em 2035.
Realidade: a adoção industrial da IoT tem sido mais lenta que o esperado
Muitos especialistas veem o crescimento abaixo do esperado da IoT dentro do setor industrial com particular preocupação. Para uma perspectiva melhor, investigamos como as empresas industriais estão usando os aplicativos de IoT e tentamos estimar se o crescimento B2B poderia acelerar. Adicionando à pesquisa básica, entrevistamos e entrevistamos mais de 100 líderes de várias indústrias, incluindo do setor público e serviços, manufatura discreta, petróleo e gás, mineração, telecomunicações, tecnologia, mídia, saúde e farmacêutica.
Poucos projetos de IoT de larga escala
Nossas entrevistas revelaram que a maioria dos negócios estão adotando o IoT só de forma limitada. Com a exceção de petróleo e gás, líderes de todas as indústrias reportaram que suas empresas frequentemente recebem dados em tempo real de sensores IoT, embora a implementação empresarial ainda esteja em estágio de validação, nenhuma das empresas tendo embarcado em programas de larga escala.
O uso limitado dos dados de IoT
Embora os sensores de IoT coletem vastas quantidades de dados, um relatório recente da MGI mostrou que as empresas não analisam a maioria deles. Por exemplo, em uma plataforma petrolífera que tinha 30.000 sensores, os técnicos examinavam só 1% dos dados.
E mais, os líderes de negócios raramente consideravam a informação dos sensores IoT na tomada de decisões importantes, incluindo as relacionadas a planos de manutenção ou a procedimentos de automação. Sua relutância em analisar os dados de IoT origina-se de diversos fatores, incluindo a falta de analistas de dados, mas a razão mais importante é simples: como humanos, preferimos consultar outras pessoas para aconselhamento ou recorrer à nossa própria experiência no momento da tomada de decisão. Embora os dados concretos dos dispositivos IoT sejam mais completos e objetivos, tendemos a concedê-los menor valor. Antes de os dados da IoT ganharem um papel proeminente no processo decisório corporativo, líderes de negócios e outros gestores importantes – supervisões de manutenção, técnicos de campo e varejistas, para citar alguns – terão de apreciar o seu valor.
Foco em aplicações/aplicativos IoT simples
Pela nossa pesquisa, os entrevistados preferem o uso simples que permite o rastreamento de informações e envio de alertas de status relacionados às mudanças no mundo físico. Algumas empresas, por exemplo, tinham colocado sensores no embalamento de alimentos para rastrear a localização do produto ao longo da cadeia de distribuição. Funções de rastreio/rastreamento e alerta são relativamente fáceis de implementar porque não requerem analíticas avançadas, algoritmos complexos ou habilidades de ciência de dados, permitindo-lhes gerar valor rapidamente. Embora alguns inovadores sejam entusiastas das aplicações de IoT para otimização e previsão, prevemos que a maioria dos clientes permanecem focados nos casos de uso simples, ou pelo menos no futuro imediato. E isso significa que eles não extrairão o valor potencial da IoT.
Preocupações de segurança da IoT
Dispositivos de IoT, carros conectados, e gateways são todos pontos de entrada potenciais para um ataque cibernético – e vimos recentemente a extensão total dessa vulnerabilidade. No ataque botnet de Mirai em 2016, os hackers atacaram especificamente dispositivos de IoT, incluindo aparelhos e roteadores, e prejudicaram muitos provedores de internet. O ataque, o mais significativo desse tipo, foi possível só por causa da fraqueza humana – uma falha em trocar usuário e senha eventualmente. Esse ataque, e outros como esse, demonstram que as vulnerabilidades da IoT frequentemente resultam da falta de cuidado básico no gerenciamento e manutenção de dispositivos.
Tais fraquezas não podem ser eliminadas por meio da encriptação, programas de detecção de ataques, controle de acesso biométrico ou outras tecnologias sofisticadas. Isso significa que empresas que desejam expandir seus esforços de IoT precisam lançar iniciativas de segurança abrangentes para tratar das fraquezas resultantes tanto de vulnerabilidades da tecnologia, como da falta de cuidado daqueles que usam os dispositivos de IoT.
Desenvolvimento tecnológico: o crescimento da IoT poderia ser acelerado
Alguns desenvolvimentos importantes, e potencialmente disruptivos, poderiam acelerar a adoção da IoT e criar oportunidades para fabricantes de semicondutores.
Microfones e vídeo: os sensores definitivos de IoT
A análise de vídeos – a aplicação de algoritmos sofisticadas à transmissão de vídeo – está fomentando a criação de novas aplicações de IoT. Por exemplo, os analistas de dados podem hoje examinar a demografia dos consumidores ao aplicar algoritmos sofisticadas a vídeos filmados quando consumidores verificavam mercadorias. Evidências recentes também sugerem que a IoT se beneficiará de áudio capturado por microfones.
Os custos associados com as transmissões de áudio e vídeo estão caindo, com sensores hoje embutidos em dispositivos por um custo baixo – menos de US$ 2,00. Os dados coletados são muito ricos, diversos e relevantes para diversas aplicações de IoT. Menores taxas de comunicação de dados, o crescimento de redes de dados 5G, e reduções significativas nos custos de armazenamento na nuvem continuarão a encorajar desenvolvedores a encontrar novos usos para áudio e vídeo.
Para empresas de semicondutores, a importância crescente de transmissões de áudio e vídeo de IoT pode criar uma oportunidade para combinar hardware com abordagens ponto-a-ponto de análise e controle. Eles terão de ser desenvolvidas para ontem, de modo a atender as necessidades dos consumidores; todavia, como a tecnologia relacionada à aplicação avançada, tais como aqueles que usam análise avançada para reconhecer faces, está evoluindo rapidamente. Clientes de semicondutores podem ser particularmente interessados em produtos que integram hardware e software de forma integrada, assim como em novas arquiteturas que otimizam transmissão, processamento e análise em dispositivos, em redes e na nuvem.
Energy harvesting (colheita de energia): provendo energia para os dispositivos IoT
O advento de padrões que suporta LPWANs – incluindo LoRa, NarrowBand IOT, e Sigfox – permitirão o uso de sensores em grande escala de aplicações IoT em muitas áreas, incluindo agricultura (análise de condições do solo), segurança (monitoramento de qualidade do ar) e produtividade (rastreamento logístico em tempo real ao longo da cadeia de suprimentos). Mas o crescimento da IoT, combinado com o aumento nos sensores e conectividade, também tornará mais desafiador prover energia para dispositivos e nodos de transmissão. Mesmo com a tecnologia de bateria de longa vida, muitos desses dispositivos só podem funcionar por alguns meses sem uma recarga.
A colheita de energia, um processo em que a energia derivada de fontes externas é capturada e armazenada para uso em dispositivos sem fio, poderia resolver os problemas relacionados à bateria. Embora a energia solar possa prover uma resposta a muitas aplicações de IoT, as empresas de semicondutores também deveriam investigar outras fontes, tais como eólica, térmica e cinética. Otimizar a colheita, administração e armazenamento de energia exigirá que as empresas desenvolvam design inovador, tanto em hardware como em software.
Inteligência integrada e análise de dispositivos: mais energia e armazenamento
Com a expansão da IoT, inovadores estão rapidamente desenvolvendo arquiteturas complementares que combinam duas importantes características:
- O poder da nuvem, que oferece armazenagem robusta e grande poder computacional expansível com baixo custo.
- A habilidade de processar e armazenar dados em uma dispositivo, ou dentro de uma rede de gateways que conectam múltiplos níveis dispositivos-fim à nuvem.
Múltiplas arquiteturas de TI com tais propriedades já chegaram ao mercado, cada qual oferecendo uma abordagem atraente. Mas as empresas de semicondutores tem a oportunidade de ir mais além – e ter um progresso mais rápido – na definição da arquitetura futura da IoT.
Em particular, elas deveriam focar em produtos relacionados a sensores de áudio e vídeo, dado que tais dispositivos estão proliferando e gerando grandes quantidades de dados.
Muitas aplicações de IoT requerem que dados sejam processados nos próprios dispositivos. Por exemplo, aplicações, vigilância e segurança de carros autônomos têm especificações com rígida latência que requerem que sistemas respondam imediatamente após a entrada de dados. Para atender tais requerimentos, os dispositivos de IoT que coletam os dados devem processá-los, usando o resultado para tomar decisões. Aplicações que requerem processamento interno são sedentos por energia e incluem componentes relativamente caros, tais como múltiplos processadores de aplicações.
As empresas de semicondutores poderiam tomar frente na otimização de soluções internas para tais aplicações. Por exemplo, poderiam criar soluções internas para controle autônomo, reconhecimento facial, análise de áudio, todos os quais possuem diferentes exigências de hardware e software com respeito à performance computacional, processamento de sinais e armazenamento.
O que precisa ocorrer: como as empresas de semicondutores e outros players podem capturar as oportunidades da IoT
Antes que qualquer empresa explore as oportunidades de IoT, ela deve analisar a estratégia, incluindo os fatores que considera quando desenvolve soluções.
Focar em resultados (não em tecnologia)
Tanto desenvolvedores como líderes de negócios normalmente focam no potencial tecnológico da IoT, incluindo sua habilidade de coleta e análise de vastos níveis de dados. Mas os avanços tecnológicos por si só não tornaram a aplicação IoT mais valiosa ou desejada por consumidores. Em vez disso, desenvolvedores deveriam focar em resultados – como uma nova aplicação aumentará a segurança, retornos financeiros (para empresas) ou conveniência.
Considere, por exemplo, os resultados que um fabricante de aviões alcançou pelo uso de sensores de IoT para monitorar a performance do motor a jato. Ao prover dados em tempo real, os sensores imediatamente alertam o fabricante sobre problemas potenciais, que facilita a condução de manutenção preventiva e maximizam tempo produtivo. Outros sensores ajudam na gestão de partes e inventário. Juntos, essas melhorias de IoT contribuíram para o crescimento de 9% e 30% de aumento na disponibilidade de motores. Isso significa que aviões gastam mais milhas no ar, e menos tempo no solo, reduzindo consistentemente os custos gerais de operação.
Destravando o potencial da IoT
Para focar em resultados, as empresas terão de coordenar atividades ao longo da cadeia de valor. Além de prover a tecnologia e os dados que permitem a IoT, precisarão adaptar seus modelos de negócios – um processo difícil, em nossa experiência, dado que os operadores frequentemente resistem à mudança. Se falharem em evoluir, um player startup ou disruptivo pode tomar a dianteira na implementação da nova abordagem para o desenvolvimento de aplicação de IoT, especialmente se novos investidores emergirem para financiar projetos inovadores.
Com a mudança de foco das empresas de tecnologia para resultados, elas precisarão oferecer incentivos que encorajem vendedores modernos e consumidores ativos a apoiar o uso de suas aplicações.
Design para pessoas (e não empresas)
Assim como inovadores de IoT tendem a focar em tecnologia, muitos materiais de marketing de IoT tentam apelar para os consumidores ao discutir a última atualização do produto, incluindo sensores melhores, conectividade e poder computacional, e analíticas. Mas nossa experiência mostra consistentemente o seguinte: usuários, tanto no uso pessoal como no uso industrial, tendem a adotar tecnologias de IoT que geram uma reação emocional positiva.
Considere as casas inteligentes, em que as empresas de tecnologias têm recentemente ganhado muitos clientes ao oferecer produtos acionados por voz – dispositivos com habilidades conversacionais básicas que frequentemente respondem a um nome, como uma pessoa. Por exemplo, o Echo da Amazon, um alto-falante sem fio, responde ao nome Alexa e pode responder a comandos básicos e questões. Tais qualidades podem criar uma conexão emocional entre usuários e dispositivos, e poderiam ser particularmente responsáveis por fortes vendas de produtos do gênero.
Ao desenvolver novas ofertas de IoT, as empresas de tecnologia poderiam pedir aos designers digitais para oferecer insights sobre o comportamento do consumidor, dado que essa informação poderia ajudá-las a criar produtos que promovem fortes sentimentos positivos, acelerando as taxas de adoção. Como sempre, produtos também precisam de capacidades técnicas e analíticas avançadas, mas as empresas já estão acostumadas com a entrega de tais funcionalidades.
Tendências atuais de IoT criam incerteza, e às vezes, confusão quanto às perspectivas futuras do setor. Quando analisamos a evidência na totalidade, todavia, acreditamos que a IoT está destinada a servir como um grandes crescimento para as empresas de semicondutores. As taxas de adoção aumentaram mais lentamente que o esperado, mas isso não deveria ser razão para pessimismo, dado que muitas tecnologias de IoT são imaturas ou estão em desenvolvimento.
As empresas de semicondutores e outros players ainda podem empreender novas estratégias para acelerar o crescimento da IoT. Em vez de focar em atualizações tecnológicas, elas poderiam desenvolver produtos de IoT que verdadeiramente aumentam os resultados dos clientes em custo, performance e outras métricas importantes. Eles também poderiam enfatizar insights da área de design sobre as necessidades dos clientes, incluindo as características de produto que geram uma resposta emocional positiva. Essa nova abordagem ao desenvolvimento será desafiadora, mas acelerará a adoção de IoT e ajudará mais clientes, tanto pessoas como industrias, a se beneficiarem dessa empolgante nova tecnologia.
Artigo original: “What’s new with the Internet of Things“
Autoria: Mark Patel, Jason Shangkuan, and Christopher Thomas
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